Poemas, Poesias, Contos e Crônicas

Friday, November 24, 2006

" Não há memória, também. Você nunca o viu antes. Tenha a forma que tiver - um bebê, um cristal, um diamente, uma faca, uma pêra, um postal, em ET, uma moça, um patim - ele não se parece a nada que você tenha visto antes. Só está ali, à sua frente, como um punhado de argila à espera de que você o tome nas mãos para dar-lhe uma forma qualquer - um bebê, um cristal, um diamernte e assim pro diante. E se você não o fazer, ele se fará por se mesmo, o momento presente. Não chore por ele. No máximo um suspiro. Mas que seja discreto, baixinho, quase inaudível. Não o agrre com voracidade - cuidado, ele pode quebrar. "

Caio Fernando de Abreu
Ao momento presente
- Pequenas Epifanias -

Caio F.

" Vai passar, tu sabes que vai passar. Talvez não amanhã, mas dentro de uma semana, um mês ou dois, quem sabe? O verão está aí, haverá sol quase todos os dias, e sempre resta essa coisa chamada 'impulso vital'. Pois esse impulso ás vezes cruel, porque não permite que nenhuma dor insista por muito tempo, te empurrará quem sabe para o sol, para o mar, para uma nova estrada qualquer e, de repente, no meio de uma frase ou de um movimento te surpreenderás pensando algo assim como 'estou contente outra vez' "

Caio Fernando de Abreu
Metâmeros

- Caio 3D anos 80 -

Friday, October 13, 2006

SONHO MORTO

SONHO MORTO

"Nosso sonho morreu.
Devagarinho,
Rezemos uma prece doce e triste
Por alma deste sonho!
Vá.. baixinho...
Por este sonho, amor, que não existe!

Vamos encher-lhe o seu caixão dolente
De roxas violetas; triste cor!
Triste como ele, nascido ao sol poente,
O nosso sonho... ai!... reza baixo... amor...

Foste tu que o mataste!
E foi sorrindo,
Foi sorrindo e cantando alegremente,
Que tu mataste o nosso sonho lindo!

Nosso sonho morreu... Reza mansinho...
Ai, talvez que rezando, docemente,
O nosso sonho acorde.. mais baixinho..."

- Florbela Spanca -

Monday, October 09, 2006

Renova-te - Cecília Meireles -

Renova - te

"Renasce em ti mesmo
Multiplica os teus olhos, para verem mais
Multiplica-se os teus braços para semeares tudo
Destrói os olhos que tiverem visto
Cria outros, para as visões novas
Destrói os braços que tiverem semeado
Para se esquecerem de colher
Sê sempre o mesmo
Sempre outro
Mas sempre alto
Sempre longe
E dentro de tudo."

- Cecília Meireles -

Sunday, October 01, 2006

- Florbela Spanca - de novo....

"Aqueles que me têm muito amor
Não sabem o que sinto e o que sou...
Não sabem que passou, um dia, a Dor
À minha porta e, nesse dia, entrou.
E é desde então que eu sinto este pavor,
Este frio que anda em mim, e que gelou
O que de bom me deu Nosso Senhor!
Se eu nem sei por onde ando e onde vou!!

Sinto os passos de Dor, essa cadência
Que é já tortura infinda, que é demência!
Que é já vontade doida de gritar!

E é sempre a mesma mágoa, o mesmo tédio,
A mesma angústia funda, sem remédio,
Andando atrás de mim, sem me largar! "
- Florbela Spanca - de novo....

Friday, September 22, 2006

- Florbela Spanca -






Inconstância
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Procurei o amor, que me mentiu
Pedi a vida mais do que ela dava;
Eterna sonhadora edificava
Meu castelo de luz que me caiu!
.
Tanto clarão nas trevas refulgiu,
E tanto beijo a boca me queimava!
E era o sol que os longes deslumbrava
Igual a tanto sol que me fugiu!
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Passei a vida a amar e a esquecer...
Atrás do sol dum dia outro a aquecer
As brumas dos atalhos por onde ando...
.
E este amor que assim me vai fugindo
É igual a outro amor, que vai surgindo,
Que há de partir... nem eu sei quando...
.
- Florbela Spanca -

Thursday, September 21, 2006

Caio Fernando de Abreu

"Não é saudade,
porque para mim a vida é dinâmica
e nunca lamento o que se perdeu
- mas é sem dúvida uma sensação muito clara
de que a vida escorre talvez rápida demais
e, a cada momento, t
udo se perde"
.
.
"Sabe,
eu me perguntava até que ponto você era aquilo que eu via em você ou apenas aquilo que eu queria ver em você, eu queria saber até que ponto você não era apenas uma projeção daquilo que eu sentia, e se era assim, até quando eu conseguiria ver em você todas essas coisas que me fascinavam e que no fundo, sempre no fundo, talvez nem fossem suas, mas minhas, e pensava que amar era só conseguir ver, e desamar era não mais conseguir ver, entende?"
.
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- Caio Fernando de Abreu -

Sunday, September 17, 2006

Terceira Perna


"Perdi alguma coisa que me era essencial,
e que já não me é mais.
Não me é necessária,
assim como se eu tivesse perdido uma terceira perna
que até então me impossibilitava de andar
mas que fazia de mim um tripe estável.
Essa terceira perna eu perdi.
E voltei a ser uma pessoa que nunca fui.
Voltei a ter o que nunca tive: apenas as duas pernas.
Sei que somente com duas pernas é que posso caminhar.
Mas a ausência inútil da terceira me faz falta e me assusta,
era ela que fazia de mim uma coisa encontrável por mim mesma,
e sem sequer precisar me procurar."
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- Clarice Linspector -